quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Surfista



22 anos. Ele tem 22 anos.
- E o que ele faz da vida? -
- Nada, Tio, não faz nada... Quer dizer, faz! Ele é surfista e... E só. Ele é surfista.
- Sei... E ele é formado? -
- É sim.-
- Sério? Em quê? -
- Em dilacerar -
- Em quê? -
- Dilacerar. -
- Dilacerar o quê, Sara? -
- Ondas - Respondi friamente como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. E era. Eu apenas quis dizer que ele dava aulas de surf, mas quis ser abstrata porque questionamentos me cansam (muito!).
Não entendi porque o Tio César queria tanto saber quem estava virando a minha cabeça. Aqui em casa ninguém nunca se importou comigo, uma vez que os meus pais faleceram e eu vim morar com a Vó Lourdes e o meu Tio César (solteiro, cachaceiro, gordo e carente). Sempre fui independente e solteira, meio sozinha até. Daí, quando decido arrumar alguém, tratam-me como se eu fosse uma criança de 15 anos. Qual é, eu já tenho 18.
Ele se chama Bernardo... É ele que está "virando" a minha cabeça, segundo o meu Tio. Ele tem uma pele bronzeada, uma tatuagem nas costas e adora reggae. Ele é meio calado, fala o necessário. Confio nele. Sei que ele me ama e vamos ser felizes. Ele é carinhoso. Só fica com um pouco distraído, digamos, quando fuma, mas sem problemas.  Se eu o amo? É lógico que sim! Tá, eu sei que ele vez ou outra experimenta a erva, mas, sei lá... Não dizem que o amor tudo supera? Então!?  Eu o conheci numa festinha que teve na casa de uns amigos meus e aí foi amor à primeira vista. Depois daquela noite não nos desgrudamos mais. E assim começamos a namorar. E assim eu conheci o amor da minha vida.
A gente ta namorando há três meses e vamos morar juntos mês que vem... Não quis trazê-lo pra cá porque Vovó iria implicar porque o "bêzinho" adora andar sem camisa e o Tio iria detestá-lo porque meu amor ouve músicas que vão de encontro com as músicas que Tio César ouve... Tá, meu tio ouve Roberta Miranda e Amado Batista. A gente vai morar junto, mas vamos pra casa dele. Ele mora sozinho com a mãe e... Sei lá, é isso.
Eu não curto muito reggae, nem gosto de praia, nem da erva. Na verdade, eu sou meio "pagodeira" às vezes... Faço faculdade de Enfermagem e sou meio espontânea. Ele não gosta do meu gosto musical nem de várias coisas que eu faço, mas eu abro mão numa boa porque namoro também é renúncia e você precisa abrir mão de certas coisas pra ser feliz ao lado de quem você ama. O amor da minha vida me faz ver que os opostos realmente se atraem e pronto! É isso que importa: O amor.
(2 meses depois)
Enfim juntos. Eu e o Bernardo estamos morando juntos e sim, estou feliz. Sei que as vezes brigamos mas isso faz parte da vida de todo casal. Eu tenho pouco tempo, a faculdade tá meio apertada... Acho que vou trancar algumas disciplinas e assim posso dar mais atenção ao meu surfista lindo. Onde ele está? Trabalhando. Que agora ele é um homem casado e responsável. De família. A minha avó e meu tio estão bem, eu acho. Quando saí de casa eles não me deram nem um "tchau" singelo. Não me importo. Fiz o certo e o melhor pra mim.
(1 mês depois)
- Sara, há três dias a roupa do Bernardo está no varal, há cuecas dele por toda a casa e o quarto de vocês cheira mal. - Disse-me a mãe do Bê.
- Sabe o que é, Dona Laura? É que eu tô precisando terminar uns trabalhos da faculdade e eu tô meio sem tempo. A Senhora poderia, por favor, apanhar as roupas, juntar as cuecas que depois eu lavo e o quarto, é só fechar a porta, a noite eu limpo. Pode ser? - Pedi educadamente.
- Eu? - Riu sarcasticamente e me fitou os olhos com um ar de deboche: - Eu tô velha e cansada. Quem não quer responsabilidade que não case. Se vire. Você escolheu essa vida, Sara.
Depois de me dizer isso, ela saiu. Eu não podia ir reclamar com ele, afinal, era a sua mãe... Mas tudo bem. Esforcei-me e no fim, dei conta de tudo. Cansado foi, mas no fim deu tudo certo. 
(2 semanas depois)
Bernardo anda pouco em casa... Sai cedo e chega tarde, às vezes dorme fora e me diz que precisa dormir naquele quartinho que eles guardam as pranchas depois da aula. Sabe como é, né? Ele tá crescendo nas aulas, precisa ficar lá. Eu entendo.
(1 semana depois)
Acabei de chegar da faculdade. São exatamente 22:00 h. Meu amor deve estar em casa. Olhe só o que eu vejo: Há cuecas e roupas por toda a casa... Sinto o cheiro horrível da maconha. Ele deve estar...
(Após abrir a porta do quarto)
- Mas o que significa isso? - Exclamei surpresa e desesperada. - O que está acontecendo? Quem pode me explicar isso? - Mas, infelizmente, ninguém me respondeu nada. Eu só vi risos e corpos, eles não estavam, aparentemente, em si. Sai chorando pelas ruas da cidade, não sabia o que fazer. Por duas noites dormir na rua porque não tive cara de voltar pra casa... Mas hoje não dá mais! Entrei em casa aquele dia achando que iríamos conversar e saber como andava a vida um do outro. Engano. Ele estava com outra vida agora e essa outra vida se chamava Clara Surfistinha. Não, ela não é prostituta. Só surfista mesmo. Fumava maconha e adorava reggae. Tinha a cor bronzeada e os cabelos longos e ondulados, queimados do sol. "Oh, yeah!" ela não era seu oposto... Era o seu igual. Ele não me deu satisfação nenhuma. Nem ela. Estavam tão "noiados" que só faziam rir e nem repararam que eu estava ali (e desesperada).
 Cheguei agora na casa da minha avó... E Dona Laura mandou as minhas coisas pra cá. Vovó não fala comigo e o meu tio me trata mal. Mas eu vou ficar bem... Ou não. Mas vou. Falta dele, eu sinto, mas a última vez que eu o procurei, que foi ontem, a surfistinha estava com ele. Bernardo apenas indagou: "Licença, Sara, tô trabalhando... Os alunos tão tudo chegando já, pô. Nosso lance já passou, mina, aventura aê, de boa? Se liga nessa parada: Procura outro rumo pra sua vida que eu tô cuidando da minha. Falou? Vou trampar aqui, boa sorte aê, é ‘nóis’”! Depois disso, ele saiu e ela nem notou que eu estava ali... É... Nem notou. Às vezes penso que sempre fui invisível. Até pra ele. Mas não, ele me amava! É só questão de tempo ele voltar pra mim.
(4 meses depois)

É só questão de um pouco mais de tempo e ele, certamente, voltará pra mim.
(1 mês, 2 meses, 3, 4, 5.... E assim, sucessivamente...)



Lavínia Mabel Viana

5 comentários:

  1. Muito bom, está de parabéns lavínia! Voltarei sempre aqui :D (AngelinaP.)

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  2. adorei...muito legal...faz vc pensar se algum dia vc tbm já foi invisível ou se já abriu mão de tudo por nd...

    obg por lembrar de mim
    bjssss

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  3. Penso que é uma reflexão acerca dos sedentários no sentido de não abrir os olhos para o que se precisa mudar.

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